terça-feira, maio 11, 2010

A ALMA DOS REMEDIADOS CRÓNICA CINCO

Ruben dos telemóveis

Sentado nas escadinhas da Sé como de costume, lá está o popular “Ruben dos telemóveis”, como toda a Rua das Canastras o intitula, (sem eu nunca ter percebido porquê).

Normalmente cantarola uns fados, e diz quem já o ouviu á noite em Alfama, que é um bom cantador. Espreguiçando-se, levanta-se dizendo: «vou andando que a minha vida não é isto!
Prontos, só vou até ao Rossio, e á noite não saio, estou farto de trabalhar á noite, já não tenho idade.
Hoje fico a ver a bola.
Logo há jogo no Sporting com os ingleses, lá tenho eu que ir ver o “bifes” entornados de cerveja!
Já deve estar tudo cheio deles pela Baixa fora, então a esplanada da “Suíça”!».
E eu fiquei a pensar em que trabalharia o Ruben, percebia-se que era um trabalho independente sem horários fixos.
Mas o que é que venderia ele no Rossio?

Á tardinha, encontro a mãe do Ruben, a D. Lurdes, à porta da padaria, onde pára para dar dois dedos de conversa. Chega um homem que se mete num carro ali estacionado.
Exclama ela: «Este malandro é carteirista no eléctrico 28. Estaciona o carro aqui todas as manhãs para ir trabalhar.
Patife, fica com o dinheiro e os pertences das pessoas! São uns canalhas, estes carteiristas!
A senhora já viu o que é uma pessoa ficar sem documentos nem nada?! Então os estrangeiros…veja bem! Já viu o desarranjo que é?».
E eu:

 «Lá isso é, D. Lurdes».

Ela continua a palestra: «Cá o meu Ruben…,
Deus me livre de ficar com o dinheiro dos outros e então os documentos!,
É muito sério, lá isso é.., prontos, arranjou o seu negócio… o que havia de fazer!
Ele chegou a trabalhar para um despachante lá para o Cais Sodré, mas tudo isso acabou….
Mas é uma jóia de moço, (não desfazendo).
Olhe, de todos os que andavam na escola com ele, foi o que deu melhor, nenhum saiu tão bem.
O Vítor, tá bem, que é empregado bancário, mas é um parvalhão que nem fala á gente quando vem cá á rua. Não liga nenhum á mãe dele, que bem precisava, coitadita!
Agora o meu filho!, ainda outro dia me deu um plasma para eu ver as novelas como deve ser!.
O Quim, outro que andava com ele na escola, a vida dele foi só droga e prisão.
 Agora está cá fora, mas é só pele e osso, uma desgraça!
O Zé do Arco Escuro, esse foi só vinho e um maluco por mulheres, já vai na quinta, agora tem uma brasileira mais nova vinte anos…
Há-de ir longe, da raça que elas são! Pois olhe, o meu Ruben só namorou uma vez, foi com a Fátima, a filha do Hermano.
Agora é só putas! (com a sua licença).
Não quer enredos com ninguém, para quê? Pra engravidarem e eu é que tenho que pagar os abortos, como foi com a Fátima!?
Ainda por cima foi com aquele fulano do Barreiro, que diz o Hermano que é rico e lhe pôs uma casa que é um mimo! Pois que seja, mas quem lhe pagou o aborto fui eu».

«Lá isso é D. Lurdes».

«Não senhora, o meu Ruben não tem vícios.
Tem lá o sue negócio…, lá isso tem, mas a vida não está bem pra ninguém!.
Olhe, eu também sei como é, ganhei muito dinheiro quando era peixeira, bons tempos, cheguei a comprar uma casinha na Charneca e tudo.
Mas tudo mudou, e eu sozinha, bem vê…tive que vender a casinha e o ouro que tinha!».

«Lá isso é, D. Lurdes».

Ela continua: «Olhe, o meu filho toda a gente o estima, por alguma coisa é.
Vou-lhe contar uma coisa». E empurrou-me para a porta de sua casa que é pegada á padaria, onde tropecei no gato e fiquei colada á gaiola do periquito.

«Ouça só isto, para ver como ele é educado:
Ontem á noite tocou um telefone e vai o meu Ruben e atende:

Sim, minha Senhora, é do 91xxxxxxx9.
Ah, sim, é a dona deste telemóvel?...
Sim, sim, fui eu que o roubei.. é que eu roubo telemóveis, …pois, como queira,… prontos, sou ladrão de telemóveis!.
Mas ainda bem que falou, pois na pochete que eu trouxe vieram cartões do banco e documentos…
Pois claro, fazem muita diferença…com certeza…
Dê-me a sua morada, que eu mando-lhe tudo isso por correio azul…
Bem, claro que sou ladrão..,Senhora D. Mafalda…, como sei o seu nome?...estou a olhar para o seu BI.
Se quiser falar com a polícia, fale, mas eu não quero nada que é seu.
A polícia não me pode encontrar, não vou atender mais este telefone.
E como está a bateria a acabar-se, agradecia que aproveitasse a ocasião para me dar a sua morada….
Bem, o telemóvel…isso não lho posso dar, é o meu trabalho, compreenda!...
Claro, faz favor de dizer, Mafalda Almeida e Cunha, rua Tristão Vaz, nº xx, Restelo, claro, claro…

Vai daí, foi ele mesmo hoje ao correio, com este calor, veja bem, coitadito, e manda tudo á senhora.
Olhe, minha senhora, filho como o meu não há,
Deus lhe tivesse dado assim um, não desfazendo, é claro.)

«Lá isso é D. Lurdes.»

1 comentário:

Anónimo disse...

Muitas vezes, quando uma mulher se envolve com um homem mais novo, em vez de aproveitar os momentos prefere viver no medo. Ela passa a atormentar-se com o medo de ser trocada por outra mais nova; de já não ser bonita e até mesmo dela envelhecer mais rápido que ele, aumentando ainda mais as diferenças.
Por isto, conforme os anos vão passando e a idade vai avançando ela sente como se vivesse numa contagem regressiva. Para ela, um ano não tem o peso de 365 dias, já que a diferença de idade parece caminhar em sentidos opostos: enquanto ela envelhece ele simplesmente amadurece, fica mais bonito, charmoso...e ela vai ficando cada vez mais "desinteressante".
Mas será caso que é isto mesmo? Será que o facto de nós envelhecermos significa que estamos a perder a beleza, enquanto que ele está a ficar mais belo? Será que tudo não passa de uma paranoia, onde nós não conseguimos ver com outros olhos, dando mais importância aos numeros do que aos factos?
Ora, nunca vos passou pela cabeça que, de repente, ele pode acha-la cada vez mais bela, conforme os anos forem passando? Sim, se ele gostar de mulheres mais velhas não serve de nada ficar a fazer contas.... é que um ano para nós é um ano para eles também!
Eu com 60 e ele com 40 e tal, Brincamos sem Segredos nem Tabus!

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