terça-feira, maio 04, 2010

A MINHA VIDA DEPOIS DE TI...


Sim, a minha vida depois de ti, do que foi antes de ti não me lembro. Depois chegaste tu! Foi uma vida...Temporariamente curta. Mas foi uma vida!

Depois aquela dor terrível que me doía no sítio mais sensível da minha alma...Vivi com ela muito, muito tempo... A dor atenuou...



Depois de te perder, muito depois, perdi essa dor. Depois da tempestade, fiquei sozinha, sem ti e sem a dor. Chegou a calmia. Habituei-me a viver só comigo. Tenho os meus anti-depressivos, os meus cigarros, a minha sala e o meu rio. E os meus livros de poesia, que por vezes me atraiçoam! Por acidente no meio dum poema encontro-te a ti. Mas depressa és posto no teu lugar. Arquivo-te logo no ficheiro da minha vida. Coloco-te no álbum da minha alma.



Estou-me habituando a mim. E quase que gosto da vida que tenho. Durante algum tempo tentei distrair-me. Passei horas até à exaustão sorvendo sequiosamente, numa secura aflita, o que de mais sórdido, mais cinzento, de mais agressivo me ofereciam os recantos da noite de Lisboa. Passei noites acordada e dias a dormir. Não comia. Só qualquer coisa quando me levantava, simplesmente porque não aguentava fumar em jejum. Abusei do meu corpo sem qualquer respeito. Não fui feliz nem fiquei satisfeita.

Os homens de quem gostei não queriam de mim o que eu queria deles, ou queriam de mim o que eu não queria deles. Foi assim que fiquei sozinha. Mas tentei, a sério que tentei qualquer coisa. Não sei bem o quê, mas sei que foi da maneira errada.

Agora, mesmo que quisesse recomeçar não tinha coragem, nem paciência, não, não tinha mesmo vontade.



Tenho mais alguns anos diante de mim e depois quero acabar de repente. Não sei se valeu a pena, mas também não me pergunto se valeu a pena. Há muitas coisas assim...

Agora há dias em que aceito que o tempo passe por mim e me leve para onde só ele sabe. Nada disto é desistir da vida, é só não dar importância a coisas que não a têm. E afinal será a vida o centro de tudo?



Gosto da vista da minha janela às sete da manhã, com os primeiros cacilheiros a atravessar o rio e o azul do céu cor de tinta da china, e do rio a brilhar como prata polida. Gosto de ir ao cinema ao Domingo á tarde. Sinto-ma tão bem sozinha no escuro da sala, a ver um filme que por vezes me enche um bocadinho a alma! Gosto de ler e reler Fernando Pessoa. Passear-me pelo Terreiro do Paço vazio ao fim de semana, sentar-me a olhar o rio no Cais das Colunas. Gosto de beber a bica no Martinho da Arcada, e pensar que ele, o Poeta, também por ali andou. De que gosto mais? Das tempestades de Inverno, e acordar com a chuva a dar nas janelas, e observar as palmeiras do Campo das Cebolas vergando-se chicoteadas pelo vento, sozinhas na noite, abandonadas á sua sorte sem o turbilhão de gentes, carros e autocarros que as rodeiam durante o dia.



Não espero encontrar ninguém, prezo demasiado a minha melancolia. Não tenho saudades de ninguém, só de alguns sítios da minha infância. Vivo, é já bastante. Não vou dar a lado nenhum, mas isso já tu sabias. Sim, meu amor, é esta a vida que levo. Raramente penso em ti como agora.



À tua memória, a ti, que há muito tempo não fazes parte desta vida, e já há algum tempo da minha, bebo este último gole de tinto. Vou-me deitar.